Ouvi sem querer, e não faz muito tempo, enquanto estava na fila do banco, sobre os planos de alguém. Era uma linda jovem, em seus aparentes 23 anos. Ela dizia para este senhor (bastante idoso, e que conhecera ali mesmo, naquela fila) que iria se casar neste final de semana, e que estava ali para retirar um pouco do dinheiro que tinha na poupança para os últimos detalhes. Disse que estava amando este rapaz, Otávio, e que ele era o homem perfeito para ela. Ele era a personificação de um sonho bom que ela tivera aos doze anos de idade, do cabelo partido para o lado direto, de fios claros, formando-se em direito como o melhor aluno da turma. De família boa da classe média, o melhor partido da cidade. Ela lhe contou sobre os planos, a casa na capital decorada ao próprio gosto, os planos para o primeiro filho depois dos dezesseis primeiros meses, o dinheiro para ajudar a mãe no final do mês e compras no shopping com as amigas na sexta-feira depois do expediente na loja de perfumes franceses. O senhor ouvia com atenção o buquê de sonhos da jovem, sorri e não fala nada. A moça ainda continua dizendo que já escolheu seu vestido, e que será o mais bonito que alguém poderia usar, e que será o mesmo usado pela mãe dela quando a mesma se casou. Ela disse que se sente a mulher mais realizada e que convidou a todos que conhecida para a cerimônia na igreja, diz que quer que todos estejam presente no dia mais feliz da vida dela.
Assim, por algum tempo ainda vi aquela jovem falando entusiasmada de seus preparativos para o casamento para aquele senhor. Não demorou muito a fila andou, e a moça tomou um caminho diferente de mim e do senhor dentro da agência bancária. Ao chegarmos na outra fila, ficamos do lado, eu e o senhor. Seu Júlio, era o seu nome. Disse que era ex-comandante da marinha, que havia morado em Recife por muito tempo e havia decidido voltar para Natal depois que se aposentou para morar com os filhos, pois estava ficando velho. Então ele me perguntou:
– Você viu aquela jovem bonita que estava aqui, meu rapaz?
– A de blusa azul? – perguntei eu.
– Isso mesmo. Ela estava a me contar sobre seus planos, disse que iria se casar, estava tão empolgada que acho que deu para você ouvir, já que estava ao lado.
– [risos]. É, eu ouvi sim. Ela parece bastante feliz, não?
– Sim, ela estava sim, mas há um problema, meu rapaz. Eu sou vivido já, eu tenho 72 anos e nem devia estar nessa fila, estou aqui porque não quero me sentir inútil, eu quero mais é aproveitar o pouco que me resta nessa vida inútil, mas isso não vem ao caso. Meu jovem, vocês hoje em dia se apaixonam muito rápido. Acredito que essa menina não esteja amando esse rapaz, nem ele a ela, eles só se conhecem por 11 meses. Na minha época a gente passava de dois a três meses só para ter permissão a visitar a moça, e hoje vocês a beijam ou já dormem na primeira noite. O mundo anda estranho, e podem me chamar de careta. Esse respeito ou medo, o que quer que seja, que havia na nossa época era o que tornava prazeroso o romance. Você não esperaria três meses para poder apenas pegar na mão de um moça, esperaria?
– [risos] Não, não esperaria.
– Então, aí que tá. A gente, antigamente, gostava primeiro da moça e a partir daí começava a cortejá-la. Depois tinha que ir na casa dela, todo ‘engomadinho’ pedir a mão dela em namoro ao pai dela. Não era qualquer um que fazia isso não. Hoje pode parecer careta, mas preste bem atenção: todos (ou a maioria) dos casamentos que se fundaram assim permanecem até hoje. Hoje em dia ainda é comum se ver casais de velhinhos com 50 anos de casados, mas daqui pra frente vai ser raro encontrar alguém com dez anos de casado. O amor virou banal, meu filho.
– E o senhor, é casado a quanto tempo? Vejo a aliança em teu dedo…
– Eu sou viúvo, meu rapaz. A Eva faleceu faz trinta e três anos.
– E o senhor continua usando aliança, seu Júlio?
– Ora, meu filho, antes de nos casarmos eu prometi ao pai dela amá-la até o fim de meus dias, e eu sou homem para cumprir minha palavra. É disso que eu falo, meu jovem, em amor para a vida inteira. Eu já amava a Eva quando eu comecei a namorá-la e a cada dia que se passava eu tinha mais certeza que ela era a mulher que Deus tinha para ser minha. E foi, ficamos juntos por 32 anos, mas casados até hoje. Eu nunca amei ou sequer me senti atraído por outra mulher depois de Eva. Essa aliança é o símbolo de dedicação a ela, e amor até o fim de meus dias.
– Disso eu sinto inveja, desse amor duradouro de vocês. Espero que um dia eu possa encontrar alguém assim para mim.
– Meu filho, você encontrará, tenha certeza. A mulher certa para ti é aquela que te fizer sentir coisas que você jamais sentiu, e que te rouba a lucidez e te faz pensar e fazer bobagens. O amor é louco meu filho, mas você pode procurar pelo resto dos teus dias coisa melhor, e não irá encontrar. E quando você a encontrar, jovem, dedique sua vida a ela, e você será feliz a fazendo feliz, esse é o segredo. Agora eu vou ter que ir por aqui, é minha vez. Foi bom falar contigo.
– Ah, muito bom falar com o senhor também. À propóstico, meu nome é Sérgio.
– Muito prazer Sérgio, pensa no que eu disse, e que Deus a mande e que você a encontre e reconheça.
– Reconheça, como assim?
– Mais uma vez, prazer, meu jovem!